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Direito Imobiliário

É ilegal proibir condômino inadimplente de usar as áreas comuns do condomínio

É usual condomínios proibirem condômino inadimplente e seus familiares a usar áreas comuns do condomínio, sob o argumento de que existe previsão no regimento interno. Isso é legal? Pode o condômino ter o seu direito de ir e vir lesionado, por ser inadimplente?

A resposta é: NÃO! O condomínio, independentemente de previsão em regimento interno, não pode proibir, em razão de inadimplência, condômino e seus familiares de usar áreas comuns, ainda que destinadas apenas a lazer.

O condômino tem direito ao uso das áreas comuns, não importando estar adimplente ou inadimplente com as despesas condominiais. Tal direito decorre do fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange não apenas uma fração ideal no solo, mas também as outras partes comuns. É o que diz a regra do artigo 1.331, §3º, do Código Civil, entenda:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. (…) § 3º A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.

Destarte, a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes comuns. Com efeito, o proprietário do apartamento é considerado dono das áreas comuns do condomínio, com isso, a sua proibição de acessar a partes comuns estaria limitando o seu direito de propriedade.

Imagine a seguinte situação fática: Pablo mora no condomínio de apartamentos “Minha Casa Minha Vida”. Em virtude de dificuldades financeiras, ele se encontra devendo três meses da cota condominial. Diante disso, o síndico proibiu que Pablo e seus familiares utilizem o centro recreativo do condomínio. Pablo foi reclamar com o síndico e este mostrou o regimento interno do condomínio que, expressamente, proíbe os condôminos inadimplentes de utilizarem as áreas comuns. Não satisfeito, Pablo propôs ação declaratória de nulidade da cláusula do regimento interno cumulada com indenização por danos morais.

Veja-se que no exemplo acima mencionado, Pablo teve o seu direito de propriedade lesado, por ser inadimplente. Mesmo que o síndico do condomínio tenha mostrado regimento interno que prevê tal situação, a sua inadimplência não acarreta a prejudicialidade do direito de ir e vir em áreas comuns condominiais.

Nota-se que existem outras maneiras de punir o condômino inadimplente. No caso de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao condômino inadimplente sanções de ordem pecuniária. Porém, as consequências pelo seu descumprimento devem ser razoáveis e proporcionais. Veja o que diz o artigo 1.336, §1º do Código Civil:

Art. 1.336 (…) § 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

Ainda, se o condômino reiteradamente apresentar um comportamento faltoso, será possível impor a ele outras penalidades, também de caráter pecuniário, nos termos do art. 1.337:

Art. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

Nesta esteira, a lei autoriza meios coercitivos e idôneos à satisfação do crédito, descabendo ao condomínio valer-se de sanções outras que não as pecuniárias expressa e taxativamente previstas no Código Civil para o específico caso de inadimplemento das despesas condominiais.

Em outras palavras, não existe margem discricionária para a imposição de outras sanções que não sejam as pecuniárias estipuladas na Lei. Observe o julgado que reflete tal argumento:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NOS ARTS. 1.336, §1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o art. 1.336, §1º, do Código Civil, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito. 2. O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração. 3. A aplicação da sanção com base no art. 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos. 4. A multa prevista no §1º, do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos. (…) (STJ. 4ª Turma. REsp 1247020/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/10/2015)

Neste sentido, o TJDFT expediu o seguinte:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS. CONDOMÍNIO. RESTRIÇÃO DE USO DAS ÁREAS COMUNS DE LAZER. CONDÔMINO INADIMPLENTE. ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL OU REGIMENTO INTERNO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA NA CONVENÇÃO OU REGIMENTO DO CONDOMÍNIO. PRETENSÃO ANULATÓRIA. DIREITO. SUPORTE MATERIAL. AUSÊNCIA. ÔNUS PROBATÓRIO. DISTRIBUIÇÃO. IMPUTAÇÃO AO AUTOR (CPC, ART. 333, I). PRETENSÃO COMINATÓRIA. PROIBIÇÃO DE ACESSO À ÁREA DE LAZER. CONDUTA ARBITRÁRIA E IRREGULAR. DIREITO DE PROPRIEDADE. PREVALÊNCIA. DANO MORAL. ATO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. REJEIÇÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA (…) 3. O mero inadimplemento de taxas condominiais não autoriza, por si só, a suspensão/restrição do condômino ao uso de serviços essenciais e nem ao acesso às áreas comuns de lazer, pois implicam violação ao direito de propriedade e à dignidade da pessoa humana e o exercício arbitrário das próprias razões mediante uso de instrumentos de coerção e humilhação como forma de cobrança, pois, no estado de direito, ao credor subsistem os mecanismos disponíveis no ordenamento jurídico para recuperação de créditos inadimplidos, tornando ilegal e ilegítimo que o condomínio se valha de medidas arbitrárias, constrangedoras e limitadoras ao direito de propriedade em face do morador em atraso com as contribuições condominiais. (Acordão 922944, 20140710175774 APC, Relator: TEÓFILO CAETANO, Revisor: SIMONE LUCINDO, 1ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 24/02/2016, Publicado no DJE: 09/03/2016)

E por fim, o Superior Tribunal de Justiça sintetiza com o seguinte julgamento:

RECURSO ESPECIAL. RESTRIÇÃO IMPOSTA NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL DE ACESSO À ÁREA COMUM DESTINADA AO LAZER DO CONDÔMINO EM MORA E DE SEUS FAMILIARES. ILICITUDE. RECONHECIMENTO. 1. DIREITO DO CONDÔMINO DE ACESSO A TODAS AS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO, INDEPENDENTE DE SUA DESTINAÇÃO. INERÊNCIA AO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO2. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE CONTRIBUIÇÃO COM AS DESPESAS CONDOMINIAIS. SANÇÕES PECUNIÁRIAS TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL. 3.IDÔNEOS E EFICAZES INSTRUMENTOS LEGAIS DE COERCIBILIDADE, DE GARANTIA E DE COBRANÇA POSTOS À DISPOSIÇÃO DO CONDOMÍNIO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 4.MEDIDA RESTRITIVA QUE TEM O ÚNICO E ESPÚRIO PROPÓSITO DE EXPOR OSTENSIVAMENTE A CONDIÇÃO DE INADIMPLÊNCIA DO CONDÔMINO E DE SEUS FAMILIARES PERANTE O MEIO SOCIAL EM QUE RESIDEM. DESBORDAMENTO DOS DITAMES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.1. O direito do condômino ao uso das partes comuns, seja qual for a destinação a elas atribuídas, não decorre da situação (circunstancial) de adimplência das despesas condominiais, mas sim do fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange, como parte inseparável, não apenas uma fração ideal no solo (representado pela própria unidade), bem como nas outras partes comuns que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio (§ 3º do art. 1.331 do Código Civil). Ou seja, a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes comuns. A sanção que obsta o condômino em mora de ter acesso a uma área comum (seja qual for a sua destinação), por si só, desnatura o próprio instituto do condomínio, limitando, indevidamente, o correlato direito de propriedade.2. Para a específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civilimpõe ao condômino inadimplente severas sanções de ordem pecuniária, na medida de sua recalcitrância.2.1 Sem prejuízo da sanção prevista no art. 1.336, §1º, do Código Civil, em havendo a deliberada reiteração do comportamento faltoso (o que não se confunde o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos), instaurando-se permanente situação de inadimplência, o Código Civil estabelece a possibilidade de o condomínio, mediante deliberação de ¾ (três quartos) dos condôminos restantes, impor ao devedor contumaz outras penalidades, também de caráter pecuniário, segundo gradação proporcional à gravidade e à repetição dessa conduta (art. 1.337, caput e parágrafo único – multa pecuniária correspondente até o quíntuplo ou até o décuplo do valor da respectiva cota condominial). 2.2 O art. 1.334, IV, do Código Civil apenas refere quais matérias devem ser tratadas na convenção condominial, entre as quais, as sanções a serem impostas aos condôminos faltosos. E nos artigos subsequentes, estabeleceu-se, para a específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição com as despesas condominiais, a imposição das sanções pecuniárias acima delineadas. Inexiste, assim, margem discricionária para outras sanções, que não as pecuniárias nos limites da lei.3. Além das sanções pecuniárias, a lei adjetiva civil, atenta à essencialidade do cumprimento do dever de contribuir com as despesas condominiais, estabelece a favor do condomínio efetivas condições de obter a satisfação de seu crédito, inclusive por meio de procedimento que privilegia a celeridade.3.1 A Lei n. 8.009/90 confere ao condomínio uma importante garantia à satisfação dos débitos condominiais: a própria unidade condominial pode ser objeto de constrição judicial, não sendo dado ao condômino devedor deduzir, como matéria de defesa, a impenhorabilidade do bem como sendo de família. E, em reconhecimento à premência da satisfação do crédito relativo às despesas condominiais, o Código de Processo Civil de 1973, estabelecia o rito mais célere, o sumário, para a respectiva ação de cobrança. Na sistemática do novo Código de Processo Civil , aliás, as cotas condominiais passaram a ter natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), a viabilizar, por conseguinte, o manejo de ação executiva, tornando a satisfação do débito, por meio da incursão no patrimônio do devedor (possivelmente sobre a própria unidade imobiliária) ainda mais célere. Portanto, diante de todos esses instrumentos (de coercibilidade, de garantia e de cobrança) postos pelo ordenamento jurídico, inexiste razão legítima para que o condomínio dele se aparte.4. A vedação de acesso e de utilização de qualquer área comum pelo condômino e de seus familiares, independentemente de sua destinação (se de uso essencial, recreativo, social, lazer, etc), com o único e ilegítimo propósito de expor ostensivamente a condição de inadimplência perante o meio social em que residem, desborda dos ditames do princípio da dignidade humana. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.030-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 9/8/2016).

Assim, o regimento interno de um condomínio não poderá determinar que o condômino inadimplente fique proibido de utilizar as áreas comuns do condomínio. Tal situação implica violação ao direito de propriedade e à dignidade da pessoa humana.

Caso esteja vivendo uma situação parecida, procure um profissional habilitado para poder te orientar. Não deixe de reclamar por seus direitos.

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